domingo, 22 de dezembro de 2013



Tarcísio,
    Entre o suor da sua pele e a rouquidão em minha voz existe uma conexão inexplicável. Tu que não sabes da existência do meu ser não mais do que de todos os outros duzentos mil que seguem seus passos, talvez não entenda essa minha pequena obsessão. Eu, que sei de cor todos os seus gestos sem ao menos ter te encontrado três vezes na vida, já ignoro a ausência que sua psicologia melódica faz nos meus aposentos.
    E parece que toda a cidade já dividiu um cigarro e uma cerveja contigo, enquanto eu me encontro aqui, com inúmeras oportunidades perdidas de dividir qualquer alegria com você, mesmo que tu pareças estar tão perto da minha vida, tão conectado e entrelaçado nos meus amigos. Ainda sim, distante de mim. Mas o que eu diria ao te encontrar? O que eu faria ao me apresentar a um de meus amigos mais antigos, mas que não sabe meu nome e não conhece meu rosto? A verdade, Dudu, é que complica quando se trata de duas almas que se entendem tanto e nunca se provaram. Eu poderia muito bem me deleitar em seus abraços apertados, pena que o mundo não permite tanto sentimentalismo exacerbado e poesia em demasia num mesmo metro quadrado.
    Entre a multidão e o palco mal cabia nós dois e eu quase me mordi de um ciúmes que não tenho quando tive que dividir amor e música com uma horda de paixões da sua vida. Eu queria que você soubesse do aperto que sinto no peito quando penso nas mazelas do mundo, da angústia que me ataca quando penso no futuro incerto e desejado que sonhei, na tristeza engavetada que me atinge quando lembro do passado que não me arrependo e ainda insiste em me perseguir. Tu vais dizer que é a idade, que isso passa, que sou nova demais pra entender a vida. O problema é que minha pequenina poetiza não vai embora, meu aprendizado brinca de camaleão e se esconde nas folhas das árvores da minha rua e eu insisto no anonimato das palavras. Isso de querer de longe tudo o que eu nunca pude ter de perto um dia ainda me tira a saúde.
    É por essas que me escondo, Tarcísio. Mas um dia eu divido um holofote contigo, quem sabe divido também umas doses e uns risos?

    Com amor de quem muito zela por ti e te admira,

    Najla Brandão.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013



Carta à Tarcísio
   Provável que nem tu saibas, Eduardo, que esta carta é para ti. Um desabafo de alma pra alma; máquina pra máquina. Talvez tu sejas, Tarcísio, o único psicólogo de cordas que consiga ter o tato de enxergar minha alma e cifrar minhas angústias, hoje, dez anos mais novas que as tuas. Por onde começar? Entre tanta cor, fica complicado escolher a melhor tinta para pintar a sala.
   Sei que há tanta gente minha, mas poucas que me tem e, diga-se para deixar registrado, que me retém. O mundo é todo meu e eu sou de ninguém. Amo quem me ama, mas sou fiel, quando muito, somente à mim. E sou errada. Amo tudo de forma errada, faço, ouço, falo e sinto tudo errado. Brinco de acreditar que de fato me apaixonei por outro alguém. Sou tão tola que às vezes brinco de acreditar que sou feliz.
   Sou a “coisa”. A “coisa” bonita, a “coisa” errada, a “coisa” decepcionante, a “coisa” inteligente, a “coisa” esperta, a “coisa” que dá vontade de beijar… e por aí vai. Uma imensidão de coisas de uma coisa só. Desconheço alguém, Tarcísio, que me veja como gente e não objeto. Jamais conheci alguém que tivesse um verdadeiro interesse em me manter interessada. Querem beijo, corpo, saliva, suor, amor, respostas, dinheiro, resultados e escravidão, mas ainda estou a espera de conhecer alguém que queria engolir a minh’alma. Exibem-me como o troféu da Copa, mas também me escondem como a mancha na toalha de mesa: o que for bom, que o mundo veja; o que não presta é melhor que nem os cadáveres saibam por onde anda.
   E tenho essa loucura que chamam de lar, sabe? Aqui eu sou cego em tiroteio, é bala perdida pra tudo quanto é lado e meu trabalho é dançar em zig-zag entre os projéteis para não ser atingida. De tempos em tempos temos um falso cessar fogo, que só o mais ingênuo acredita. Essa violência é o motivo da tarja-preta estampada na minha cara e na gaveta da sala.
   Como se não bastasse, andam vivendo por mim. Ou pelo menos, é o que parece quando olho demais para a minha vidinha e sinto que todo o tempo que não estou bem naquele quadrante. Tu já te sentistes assim? Como se a vida que tu vives não és tua? Já não sei o que fazer, torpor ou agonizar.
   Pois também pouco sinto. Não sinto abraços ou amor, mesmo abraçando e amando, sendo abraçada e amada. Confiro o que sinto pelas alheias carinhas de felicidade. Estranho que eu me sinta quase feliz ao ver um sorriso teu numa foto de fã.
   E me explica como funciona a solidão? Pois venho sofrendo dessa falha terrível no tanque da minha máquina e não sei o que fazer com ela. Troco o tanque? Troco a máquina? Troco as pessoas? Troco eu? Porque tanto medicamento por semana? O que fazer quando ninguém consegue suprir a falta que faço em mim mesma?
  Sabe, Tarcísio, a verdade é que eu nunca fui alguém que se achasse metade da laranja. Até porque eu sempre fui laranja inteira, o que me impede sempre de dividir qualquer coisa com alguém, a começar por dividir uma vida. Sei lá, cara, pensei que escrever com tinta preta ia me ajudar a tirar a graxa das artérias, entende? Que escrever para quem desconheço, ia me ajudar a me entender. Talvez o mais importante é que pensei que poderia te achar laranja inteira também no meio de tanto limão partido ao meio. 
Um beijo saudoso de que menos te conhece.
Najla Brandão
"É que você já foi tanta coisa pra mim, João. De paixão à salvador, de uma forma ou de outra ,o resultado seria o mesmo: uma hora ia acontecer de não se saber sobre o amanhã. E então como é que fica o que eu sinto? Não sei. Quero pelo menos ter a certeza de onde estão minhas coisas, já que minha cabeça está perdida em algum lugar da sua vida."
João - Entre Laços

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013




    Toc toc.
   Atendo a porta e ninguém bate. Não entendo o que há de errado na minha cabeça. As visitas chegam, batem à porta e se vão sem se apresentarem. Não tenho a chance de sequer saber seus nomes ou o que vieram fazer aqui. Trazer amor? Paz? Diversão numa noite de filme e pipoca em que morro de tédio com os roteiros românticos? Eu e essa minha mania de mandar embora sem pedir para entrar, sem oferecer um café ou um copo d'água. Afinal de contas, chegar até aqui não é fácil. Muita escada pra subir, os degraus da minha vida são altos e o corrimão escorregadio.
   Eu arrumo a casa toda. Troco os lençóis, tiro a sujeira acumulada atrás das portas, limpo o pó da mobília que não uso há tempos como o coração e a espontaneidade de se fazer o que quer. Depois da faxina sento no sofá e espero que cheguem. Eles vêm e eu me escondo debaixo da cama com medo de ser coisa ruim. Vai que é um ladrão, né?
   O que me aconteceu hoje foi a chuva. A chuva sempre me acontece. Caiu um pé d'água e acabei molhando os sapatos. E os braços. E parte da bolsa que carregava no ombro. Enquanto chovia, eu me lembrei de Shakespeare e uma de suas citações que falava qualquer coisa sobre alguém amar a chuva e se esconder dela. Pensei naquilo por um instante e vi que era uma bobagem tremenda estar segurando um guarda-chuva quando sou uma fanática pelo aguaceiro. Num ato de tremenda ousadia levei as minhas pequeninas mãos para fora do guarda-chuva, uma tentativa tímida de me molhar. Fiquei me sentindo uma boba fazendo isso, ainda mais eu que sempre "esquecia" a sombrinha em casa num dia nublado demais só para ter desculpa quando chegasse em casa com os ossos encharcados.
   Cheguei no portão de casa reparando nas árvores cheias de musgos e na calçada quebrada por conta das raízes que insistiam em respirar um pouco de ar fora da terra coberta de concreto. Eu tenho um amor secreto por essas árvores e pelas suas raízes meio aéreas. Isso me configura inimiga número um da prefeitura que insiste em podar, quebrar galhos e participar dessa conspiração contra as árvores da cidade. Já destruíram duas ou três das minhas preferidas. Árvores enormes, árvores que florescem amarelas com os ventos primaveris. Detesto vê-las derrubadas ao chão sob a desculpa de que "atrapalhavam a passagem", são os humanos imbecis que atrapalham a passagem de seus galhos e de suas majestosas raigotas. O ponto a que quero chegar é que não quero tirá-las da calçada quebradinha, prefiro que elas cresçam por ali mesmo, e é provável que esse seja o motivo de  poucas pessoas passarem por aqui. A passagem está meio obstruída e é preciso muito cuidado para que se chegue à porta.
   Depois de tanto pensar sobre a minha casa, só pude perceber uma coisa. Não me importo em ser feliz sozinha e ter como companhia as plantas, a água e o cheiro de roupa limpa. Prefiro conversar na porta com os amigos que fazem visitas esporádicas do que convidar alguém para entrar e a visita passar a vida toda na minha casa. Gosto de ter uma escova de dentes solitária no banheiro e uma geladeira cheia de comida.
   Que assim seja enquanto a chuva durar.

Najla Brandão

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

"É que eu não sei."

Depois de tanto tempo a simplicidade das suas palavras ainda me encantam, mesmo que de um jeito diferente. Eu não sei o que pensar disso. E essa é uma frase que eu ando usando muito nos últimos dias, provavelmente porque pensar cansa a minha cabeça e, consequentemente, me deixa vulnerável aos sentimentos que prefiro não senti-los por agora.
Há algum tempo eu não afirmo ou tenho certeza de algo, o que é estranho porque nunca me senti tão segura diante das minhas próprias incertezas ou das dúvidas que essa vida nos traz. Ainda sim, não sei o que dizer. Não sei se devo deixar você ir ou se devo pedir para ficar, não sei do que você fala também. Desconheço minhas falhas e meus acertos, ando fechando os olhos para quase tudo na vida que possa engatilhar a arma que é a minha própria mente afogada em ansiedade. Confesso uma coisa: não tenho medo de desistir dos meus sonhos, tenho mais medo de desistir de mim e ainda usar de desculpa algo como "vou deixar isso para depois". Eu nunca deixo nada para depois. O meu depois nunca vem. Eu sempre fui assim e você sabe: ou é agora ou não é.
De tanto não saber sobre nada fiquei neutra em relação à ti. Não me lembro da última vez em que cheguei a formular conceitos e opiniões sobre você. Meu método de tentar viver no stand-by até que minha vida toda se resolvesse em alguns dias é muito bom: não estou a parte de nada e ao mesmo tempo participei de tudo. Estive lá quando você chamou, mas não levei os sentimentos pra casa, não guardei suas queixas no armário e nem quis saber de tirar da bolsa qualquer informação relevante ou não sobre mim. Eu estive na sua frente balançando a cabeça energicamente quando achava apropriado, mas eu também estava em outro lugar tentando me alienar do mundo. Não encare isso como algo ruim, é só a maneira mais saudável que arranjei de esquecer a angústia da espera.
O que posso dizer? Aconselhar-te a não me pedir conselhos, creio eu. Eu não estava presente nos momentos. Eu não sei se devo te dizer adeus ou se devo te estapear para que largue a sua novela mexicana e deixe essa bobeira de lado. Ofereço o que tenho: um pedaço de mim. O resto tá guardado para não se desgastar com o tempo. Janeiro já vem para que eu possa me tirar do fundo do guarda-roupa.
Aqui fica minhas sinceras desculpas por não saber o que dizer.