domingo, 23 de novembro de 2014



          Ele era atleticano doente. Lógico. Tinha que ser. A minha antipatia pelo Atlético terminava ali, na hora que minha calcinha encharcava só de lembrar das caras e bocas que ele fazia quando acertavam o gol. Puta que pariu. Trave. Final do segundo tempo e eu não sei mais se nasci cruzeirense ou se meu coração é preto e branco. Pra quê eu to torcendo mesmo? Independente do resultado eu saio ganhando. Se o Galo perde eu viro consolo e se ele ganha eu vou poder ver aquele sorrisão aberto pra mim. Sem contar que ele vai ficar completamente bêbado e dá pra abusar um pouquinho, quem sabe eu descolo até uma declaração e um carinho. Juiz apita. Empate. É, essa eu não previa.
          _Bora, meu bem? -eu chamo.
          _Bora.
          Ele tá meio emburrado. Provavelmente vai insistir nas cervejas quando chegarmos em casa. Acho engraçadinho o jeito que o nariz dele franze um pouquinho quando tá meio brabo, é praticamente imperceptível, eu mesma só fui notar essa semana. Não entendia qual era o motivo pra eu gostar tanto da cara de zangado, tá ali ó, três ruguinhas de nada no nariz. Nariz de personalidade forte. Eu chamo assim todo e qualquer nariz que seja grande ou engraçado. O dele era engraçado e eu sou louca por esse nariz. Abriu a porta do meu apê e foi logo se jogando no sofá, tirando a bota, abrindo uma long neck, colocando aquelas MPBs que eu detesto pra tocar. Sento do lado e de repente to cantando Chico com ele. Eu na cozinha passando um café e ele na sala curtindo a tontura. Como é que pode?
          _Não sei se eu corto o cabelo. -ele comenta de lá.
          _Deveria. Fica mais bonito curto.
          _Vou deixar assim.
          Ojeriza, viu? Ele não faz por querer. Assim como ser atleticano, irritar a minha natureza é completamente involuntário da parte dele. Afinal de contas, eu que escolhi essa delícia que era passar meu tempo com ele. Ele aperta a pasta de dente no meio? Aperta. Ele implica com meu gosto musical? Implica. Pelo menos não come a coxinha pela bunda, né? Olha que amor.
          _Vem cá. -ele pede.
          Eu vou, sento no colo e passo os dedos pelos fios lisinhos que parecem fazer carinho na minha mão. Tudo nele é assim. Carinho. Ele encosta a cabeça no meu peito e fica imerso no próprio universo. Eu observo, tentando desvendar seus detalhes. Cansei de perguntar qual era a das tatuagens, ele nunca respondia. Respondia qual era a da barba. Todo dia era uma diferente. A de segunda:
          _Barba é coisa de gente poderosa.
          A de terça:
          _Assim é mais fácil, tô com preguiça.
          A de hoje:
          _Tô treinando pra ser mendigo.
          _Ta chegando lá, cuidado.
          A gente ri, a gente dança daquele jeito desengonçado. Um charme só. Os braços soltos demais e as pernas enroscando umas nas outras em uma porrada de movimentos aleatórios. Sem padrão nenhum mesmo. Levo ele pro banho, to vendo esse rapaz desmaiar de sono na minha frente. Quase não dá pra acreditar que hoje ele vai ter uma noite tranquila. Os dias inquietos dele quase me matam. Madrugadas viradas e noites trocadas pelos dias. Ele foi pro chuveiro e eu fui colocar meu pijama pra dormir. Apareceu no quarto cambaleando, esfregando os olhos, sacudindo o cabelo molhado. Deitou pelado mesmo ficou de conchinha comigo. Beijou a minha nuca e balbuciou alguma coisa.
          _Eu gosto de você pra caralho, mulé.
          Eu acreditei, né. Palavra de atleticano, coisa de torcedor, mania de quem acredita. Nessas horas eu mudo até de time.
         

Najla Brandão

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Bobagem




não me preocupa 
amanhã ter só o almoço
para encher a barriga

o que me ocupa
é pensar no moço
e ter nos dedos figas
para não entortar as vigas
que sustentam esse esboço
de romance sem culpa

com que cara
eu conto pro meu bem
que não vai ter abraço?
como que eu falo
que dos afetos guardados
só sobrou um chumaço?

faltou café,
faltou cigarro,
faltou final clichê.
sobrou saudade,
sobrou tristeza,
e sobrou você.

assim, bem só.
você daí,
eu daqui
e na garganta um nó.

Najla Brandão

domingo, 9 de novembro de 2014

Pinga



aguardente
pinga em mim
se quem sofre é a gente

aguardente, por favor
num copo cheinho
pra esse dia sem cor

aguardente
é bebida de quem
aguarda gente

e Ypióca
é bebida de quem gosta
de rima óbvia

aguardar 
o que se tem
à guardar

aguardente, por favor.

Najla Brandão