segunda-feira, 10 de abril de 2017

Quando não fomos nós dois



     Suspiro. Cá estou novamente encarando as palavras e as letras, como se ao mesmo tempo que tirasse um peso de minhas costas, acrescentasse também uma verdade dentro do peito. Entre os meus livros que ensinam técnica e teoria de relacionamento com a mídia e sabedoria e compaixão no cotidiano, eu posso afirmar com segurança uma coisa: não me ensinaram a lidar com relacionamentos. Tampouco a sabedoria e compaixão que tenho aprendido tem aplicação prática no meu cotidiano caótico. De que me adianta meditar duas horas por dia se não sai da minha cabeça a possibilidade que pisca incessantemente diante dos meus olhos de que nós não somos nada. 

     Estou obcecada. Predadora que sou, é inato de mim repensar seus movimentos e calcular friamente todas as chances que tenho de ser devorada pelos seus clubismos infantis. Minto quando insisto que não houve alterações do clima-tempo emocional. Minha cabeça explodiu em milhões de fragmentos sobre tudo que tive que passar nas últimas semanas e meu coração acelera e congela quando penso no que poderia ter sido de mim. Foi tanta coisa. Morte, renascimento, vida. Coisas cresceram e morreram dentro de mim em todos os sentidos possíveis. Agora me resta isso: cacos do que pode(ria) ser da gente.
     Que loucura, não? Um dia a gente tá planejando como vai ser o dia e no outro como vai ser a vida toda. Não me entenda mal, eu não acredito de forma alguma em qualquer futuro que envolve sua cara de ressaca e meu cabelo manchado de cobre. Isso não é uma realidade. Escrever isso aqui só confirma minhas suspeitas. Acabou o que sequer teve princípio. Eu coloquei o pé na roça, eu bebi a cerveja gelada, eu fumei vapor sem nicotina e tive consciência absoluta e atenta de que aquela vida que eu vivia pertencia única e somente à mim. Ninguém quer me domar, ninguém pode me domar, ninguém vai me domar. A minha sina é solitária, é vazia e instrospectiva.
      Ainda sim, com todas as certezas dentro de mim, meu coração vai vacilar comigo e esquecer de bater quando eu por meus olhos em você. Eu me sinto pequena, logo eu, que tenho em mim um coração agigantado, uma alma gorda, um espírito infinito. Encaro meu reflexo e vejo um corpo que não é compatível com meu ser, vivo uma vida que não compete meus desejos, tenho nos braços marcas de quando fui cem por cento de mim e já não cabia mais em quem eu vivo. 
     Não compreendo minha necessidade em escrever. Minha mente vaga pelas ruas, pelos passados, pelos prováveis futuros, pelo presente que insiste em me atormentar. Tenho mãos que me traem e pedem socorro para o zodíaco, tarô, umbanda, bênção, igrejas, terreiros, centros, templos e o refúgio que não deveria sequer ser um: o que há dentro de mim.
     Perdoa a falta de jeito com as palavras, me desculpe por ter um péssimo timing e eu sinto muito por não confiar em mais nada vindo de ti, mas nós dois sabemos que no fim das contas eu tenho um pouco de razão. A gente sabe também que pra lidar comigo, só sendo outro de mim. E quando a gente se abraçou, a gente prometeu reencontro, mas tava na cara que aquela ali foi a despedida mais triste do mundo.
     Olha, acho que o que eu queria dizer é isso. A gente pariu e viveu um amor lindo, foi completo de inúmeras maneiras, teve tristeza, teve carinho, teve alegria. A minha parte favorita foi comprar aquela casa pré-moldada de madeira para colocar no lote velho com um monte de bichinhos diferentes. Nessa parte você não tava lá de verdade, mas eu gosto de pensar que tava sim. Gosto de trocar nossas crianças por alguns cachorros extras. Isso tudo durou uma fração de segundo. Foi lindo de viver mesmo assim. Mas agora acabou e 'cê volta pra caixinha com os outros 2 ou 3 que também foram amores não vividos. Não tem problema. O carinho continua. 
     Não esquece que eu vou continuar cantando aquelas modas bobas pra você. Se apaixone, namore uma pessoa que seja uma livro em branco e construa coisas. Eu vou continuar aqui na madeira de demolição. Acredita que ontem mesmo vi um pedaço de arueira que dava pra uma viga maravilhosa? Enfim, se cuida e continua. Eu fico do lado de cá com o pé no chão.

Te gosto, rapaz, mas não aprendi ainda a viver em menor intensidade.

Najla Brandão