sábado, 27 de setembro de 2014

Pânico



me coço
me arranho
me rasgo e
ofego
ofego
ofego
me desespero
sinto asco
nojo
desejo de não estar dentro dessa carcaça
sou capaz de nada num mundo que é capaz de tudo
choro
copiosamente
sem estar triste
me enjoo
o movimento do meu diafragma me dá náuseas
quero vomitar
o que tem no estômago
o que tem na cabeça
preciso destruir alguma coisa
explodir
nessa enxaqueca incorpórea
essa ressaca de humor
que me mata
mata
judia
um medo imenso de mim
perigo que vem de dentro
preciso gritar e não posso
me expressar
e não sei como
queria quebrar tudo que me cerca
me machucar
apertar até doer
e se doer
sangrar
para ver se para
se minha cabeça para de rodar
e o meu peito arder
com tanta fúria
morder
cerrar os dentes com toda a força
eu
não
caibo
dentro
de mim

Najla Brandão

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Dharma Bums






barbas
cheias e falhadas
peles brancas, mulatas
e tatuadas
sorrisos fáceis e difíceis
olhos que parecem mísseis

ainda me arrebento
nos lençóis de um desses boêmios
vagabundos e gênios
de mulheres sem discernimento

menino e homem viril
de doces e Rivotril
álcool e mulheril
que tem medo e desejo da morte

jovens decentes
de corações contundentes
perfeitos dentes
que vivem brincando com a sorte

se eu me perco na tinta dos braços
que carregam os versos do Velho Buk
ou nos beijos e amassos
de rapazes de truque
termino a noite e meço
não sei se caso ou se morro,
na dúvida eu peço:
socorro!

Najla Brandão

quinta-feira, 25 de setembro de 2014



         Parece que o tempo esquenta um pouquinho e o meu coração já espicha as asas pra ganhar o mundo. Não aguenta ver um detalhezinho que já se derrete todo o coitado. Aconteceu duas vezes essa semana. Até parece que o pobrezinho sabe mesmo equilibrar mais de um menino-homem em cima de pires e cabos de vassouras. 
          Ele teria esquecido o isqueiro dia desses em cima da minha escrivaninha, seria mais uma pra coleção de desculpas que tenho guardadas para quando dá vontade de encontrar com ele. Tudo é motivo para tentar lembrar que cheiro ele tem ou descobrir seu gosto. Nessa neura de querer ir embora eu acabo ficando, só pra ver se ele vem. Bobagem minha querer juntar tudo em palavras, como se ser coerente em meia dúzia de parágrafos fosse me impedir de balbuciar um monte baboseiras quando eu colocasse meus olhos nos dele.
          Fumei meu último cigarro com um amigo enquanto vagueávamos pelos becos da cidade. O cigarro era meu, o amigo era meu, mas eu ainda sentia que traía algo dentro de mim. Parece que agora eu não posso fumar quando alguém deixa de esquecer um isqueiro no meu quarto. Ele não vem. Já passou das seis e ele não chegou, já passou uma semana que ele não assume que me quer, um mês e ainda não deu sinal de que vai aparecer. Se ele vem, eu tenho medo de que ele vá embora e se ele ficar tenho medo de que eu queira ir. É tanta bobagem, gente. Porque não deixamos isso pra lá? A gente pode se aninhar aqui nessa cama minúscula, beber daquele vinho de dez reais que eu adoro, contar piada ruim até o amanhecer. A gente pode fingir que é pra sempre.
          Fico aqui olhando para essas unhas que não desenharam no corpo dele, para os meus pés que não tiveram o abrigo quente de suas pernas e pro meu coração, que derrubei sem querer enquanto tentava me esquivar de mim mesma. Todos com um ar meio melancólico. To rezando para isso passar logo porque não vou saber me acostumar com essa possessividade e ciúmes injustificados meus. É porque eu não tenho e porque pode ir embora a qualquer instante, daí vem o medo de perder o que não se tem. Eu não nasci com essa força de vontade toda para ir atrás, tampouco fui dessas que larga com facilidade. Fico rodeando, beirando, esperando a chance de me instalar na vida dele. Chance que pode nunca chegar, oportunidade que eu nunca vou ver por estar cega com esses dentes, esse cabelo, esses olhos, esse nariz. Tudo que meu tato quer e não alcança, e se alcança não leva pra casa e se leva pra casa, faz o quê depois?
          Eu também não sei abraçar tudo o que mora dentro dele. Olho de soslaio suas inquietudes e pareço criança que quer brincar com um violão, mas só consegue tocar nas cordas, fazer um barulho desafinado e sair correndo com medo de ser pega. Nessa brincadeira eu espero pelo seu convite. Até lá vou tentando dar passos pequenos para não chegar antes de ninguém, já estou muito adiantada. Vou tentar encontrar com ele no meio do caminho, vai que cola, né? Se não der certo eu volto à pé sozinha, tem uma primeira vez pra tudo. Tô aqui com os olhos pregados nele, acompanhando cada movimento. Percebi que meu coração resmunga a cada pancada que o dele leva. Aparentemente to sofrendo pra três. E eu me pergunto se ele já está dormindo, agora que passou de uma da manhã. Será que alguma coisa aconteceu para ele ter ficado tão caladinho esses dias? Preocupo de longe e sei que não sou a única. É meu jeitinho torto de dar carinho quando não sei demonstrá-lo da maneira certa. Mas ele não vem.
          Até lá eu espero essa minha gripe passar. Se bate um vento, meus cabelos dançam e eu esqueço ele. Se o frio volta, meu coração gela; se vai embora, ele esquenta. Mas se amornar o meu leite, meu bem, chega outro com o nome mais simples e de cabeça rachada que me leva a paz. Diz que não sabe fazer malabarismo. Pois é, nem eu.  Meu sossego não é meu, é de quem cata ele no chão e leva embora, às vezes sem nem querer de verdade. Levam por levar.

Najla Brandão

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O céu que não vemos



Quando eu era mais nova alguma coisa quebrou dentro de mim. Simplesmente parou de funcionar. O mais curioso de ter algo quebrado é que qualquer rachadura é espaço o suficiente para libertar seus demônios. Foi assim que descobri a minha caixa de pandora, uma quantidade razoável de males para arrasar com o que havia de humano em mim. Pode parecer injusto dizer isso de alguém que era assim tão jovem, mas eu acho que isso é coisa de artista. Em cada um ocorre uma revolução, uma pequena guerra e uma grande depressão ao menos três vezes ao dia. Exteriorizar isso é complicado. Juntar as palavras ou as cores e tentar fazer com que elas tenham sentido para um mundo, que não é fruto do nosso sutil autismo, é exaustivo.
  Percebo hoje que eu carregava sentimentos pesados demais para uma garota de catorze anos, com tão pouca vivência e experiência era de se esperar que eu não me desse bem. Eu vivia numa busca incessante pelo meu verdadeiro eu, superar a crise de identidade e me estabelecer como uma pessoa real de existência sincera. Queria saber quem eu era. Mal sabia eu que nessa vida o espírito não é, ele está. Desde que descobri isso eu vou "estando" e testando meus diversos egos. É uma vida decente.
Por vezes eu dei sorte e acabei encontrando gente que aprisionou de volta alguns dos meus capetinhas. Sempre valorizei muito essas pessoas, mesmo que algumas fiquem por pouco tempo. É importante saber ceder, deixar ir. Dessa forma elas voltam por que gostam e não por que devem ou se sentem obrigadas. Foi assim que ganhei e perdi pessoas espetaculares, se é que é possível perder ou ganhar alguém. Encontrei esse rapaz enquanto eu tropeçava na fila do mercado tentando alcançar uma lata de cerveja. Ele comprava cigarros. Desde então ele têm ido e vindo, aparece quando dá vontade, não tem preocupação nenhuma em parecer desapegado. Tornou-se uma parte significante da minha vida sem nem ao menos eu perceber o que estava acontecendo. Daí pra frente cada gole de café tem virado desculpa para encontrá-lo. Nunca dividi essa bobagem com ninguém, mas eu dava um suspiro de alívio para cada vez que ele vinha sem ser chamado.
Eu queria olhar pra ele e dizer com convicção que tudo o que ele quer, eu tenho de melhor. Não é assim. Não existe essa certeza. A ciência tenta desvendar tudo, passamos horas de nossas vidas sentados no divã tentando compreender a parte do universo que cabe dentro da gente e, pro pedaço que não cabe, nós construímos máquinas gigantes e dissecamos átomos. Mesmo com tudo isso ainda vivemos o Princípio da Incerteza e nunca vamos ter a precisão tão certinha de nossas coordenadas, posições e momentos. Olhamos para o céu noturno, admiramos sua infinitude sem nos darmos conta de que tamanho é o infinito. Identificamos constelações, localizamos sóis e ainda sim não temos a menor ideia do que significa ser uma estrela.
_Olha ali a constelação de Touro. É o meu signo, sabia? -perguntei.
_Onde?
_Ali. À esquerda das Três Marias fica Aldebaran: aquela estrela bem brilhante meio laranjinha. É Taurus. Vê como os chifres estão em posição de ataque?
_Você acredita nessa coisa de signo do zodíaco? -ele quase debochou.
_Acredito que as estrelas têm algo de místico que ainda não compreendemos.
Parei para contemplar a cena toda. Estávamos sentados no alto da serra, trilhamos todo o caminho até aqui só para ver o que a TV anunciou há algumas horas. Dois meteoritos iriam se colidir no nosso céu. Nada grave, mas era um evento único. Era novembro, mês que namora o verão e a noite também. Seguimos o sol até ele se pôr e agora às oito horas podíamos observar as constelações. Taurus logo abaixo de Pisces, perto de Aquarius e companhia. Não estávamos ali para isso, um dos meteoritos cortaria o céu subindo e o outro desceria a seu encontro. Um partindo da constelação de Touro e outro de Peixes.
  _ 'Cê conhece a história de Taurus?
  _Não.
  _O touro que se forma é Zeus, ele se disfarçou para seduzir Europa, dessa forma Hera não descobriria a sua traição. Da relação de Zeus e Europa nasceu Minos que governaria Creta e daria origem à lenda do Minotauro. Mas essa não é a melhor parte sobre essa constelação.
  _Ah é? O que é então?
  _São as plêiades, um setestrelo que fica no corpo do Touro. São sete estrelas que representam as sete filhas do titã Atlas. A olho nu você só consegue ver seis, o brilho da sétima foi roubado por representar Mérope que se casou com um mortal e por isso não podia mais brilhar no céu noturno.
_Quantos brilhos de quantas estrelas foram apagados por conta do amor? -perguntou melancólico.
  _Provavelmente o suficiente para a porção negra do céu ser maior que a que brilha. -suspirei -Sabia que as plêiades são constantemente relacionadas às desgraças e à vergonha? É porque são estrelas de luxúria, como se amar demais fosse pecado e um acontecimento trágico.
  _Toda a tragédia que reside no amor divide parede com um instante de felicidade.- silêncio. - Eu sou de Peixes, sabe achar essa constelação?
_ Engraçado, como você, essa constelação só aparece nitidamente de vez em quando. Entre outubro e novembro dá pra ver Pisces, é só você seguir o rumo das plêiades de Taurus à direita. Dali você cai no anel que une o cordão dos dois peixes: Afrodite e Eros, que se transformaram em peixes para fugir de Tifão. -pausa-  Os melhores amigos que tive eram piscianos. Eles vêm, mostram todo um mundo para você e vão embora, apagam as pegadas para você não seguir seus caminhos. Transformam-se com uma habilidade espantosa. É engraçado como sempre me dei bem com eles, deve ter alguma coisa a ver com o fato de que Zeus enquanto Touro atravessou todo oceano a nado com Europa nas costas para chegar à Creta. Taurinos estão sempre nadando nos mares dos piscianos.
  _Parece que você passa boa parte do seu tempo remontando mitos e superstições
_A gente tem que fingir que acredita em alguma coisa nessa vida.
Eu continuava a olhar para o seu rosto, notando duas ou três pintinhas perto do queixo e torcendo para que elas fizessem sentido. Eu ainda procurava uma lógica para o que eu sentia. Repetia dezenas de vezes o movimento de olhar para o céu e virar a cabeça para encarar seu rosto, esperando que agora eu notasse algum detalhe que passou despercebido, do mesmo jeito que abrimos a mesma gaveta trinta vezes em busca de um objeto perdido. Ou então quando vemos uma estrela cadente com o rabo do olho e depois começamos a olhar para o céu a todo instante, só pra ver se dessa vez não deixamos escapar a oportunidade de fazer um pedido. Como se o ato de procurar de novo no mesmo lugar fosse ajudar.
_No que você tá pensando? -ele me perguntou de mansinho.
  _Na quantidade de pedidos que podemos fazer quando chover estrelas cadentes.
  _E você quer pedir o quê?
_Não posso contar. Senão não vai realizar. -pisquei para ele de cumplicidade. Ele riu. -E você? No que tá pensando?
  _Na dificuldade em viver debaixo de um céu que representa tanta coisa.
_E ele representa o que para você?
_A minha impotência diante do meu próprio destino. A minha incapacidade de mudar a minha ignorância sobre a vida. O não saber lidar com o que é imutável.
  _Sei como é isso. Nos sentimos pequenos demais e não sabemos o que fazer com toda essa vontade de ser gigante.
  _É um nanismo existencial completamente frustrante.
  Pensei na possibilidade de estarmos juntos e logo descartei a hipótese. Considerar um beijo seria desejá-lo, isso implicaria em me mover e pensar em como conseguir isso. Não era o que eu queria. Eu esperava que a impetuosidade dele se juntasse à minha paciência. Nos acasos nos encontraríamos, seja para nos tornarmos irmãos ou amantes. Não importava. Pela primeira vez eu não sentia vontade de controlar o meu pequeno futuro, eu só queria uma reação positiva dele sobre mim. Torcia para que eu fosse uma das pessoas escolhidas para figurarem sua vidinha admirável. Caso eu começasse a orbitar seus anéis, acabaria por esbarrar em alguma coisa e quebraria algo que não devia, poderia resultar em uma cratera em mim ou nele.
Seríamos como os dois meteoros a colidirem no céu noturno. Lindo, intenso, breve e inevitável. Havia uma sutilidade metafórica nisso, a vida também era cheia dessas coisas. Vivíamos pelo o que era belo, sentíamos na pele a destreza do mundo e observávamos todos ignorarem debilmente a morte. Negavam o fim como se fosse óbvia demais a sua distância de nós. Enquanto o resto fingia não estar morrendo a cada minuto, nós dois nos agarrávamos a essa ideia. Esgotávamos todas as possibilidades que nos eram dadas e as oportunidades que apareciam eram exploradas até minarem seus recursos. Era morrendo que nos sentíamos vivos. E então aconteceu. Dois riscos laranjas atravessando o tecido negro estelar e se explodindo com toda a força que podiam, uma cachoeira de estrelas cadentes começou a jorrar para todos lados. Desejei de alma que algo extraordinário acontecesse dentro de mim, vi que era a única coisa que eu realmente desejava.
  _Notou como a magia do desejo para uma estrela cadente é poder escolher só um pedido? -suspirei com vontade.
  _Quando se tem a chance de pedir mais coisas você não quer. Parece que para vivermos plenamente aquele instante só precisamos de uma coisa. Talvez a vida seja sobre isso, sobre o que nos falta em um único instante e como essa necessidade muda a cada segundo que se passa, tornando todo momento muito específico. Não dá para viver o mesmo instante de novo, mesmo que se reproduza tudo de novo, suas necessidades já mudaram todas.
_Posso te falar a verdade?
_Fala.
  _A verdade é que eu poderia te dar mil razões astrológicas para a gente se encontrar no meio do caminho. Poderia falar que é esse seu jeito pisciano, cheio de tato com todo mundo que encanta, essa sua coisa de nunca se prender à alguém ou aos hábitos e as rotinas, sua instabilidade na décima casa lunar que faz de você a pessoa mais atraente do meu céu. Ou então falar que é do meu signo ser teimosa e insistir em te procurar, ainda que uma coisa ou outra indique uma projeção astral desastrosa. Mesmo que isso soe como verdade, não é bem assim. Eu te procuro numa ânsia besta de tentar te entender e te fazer caber dentro de mim, mas não como o bom pisciano que você talvez seja, e sim como a pessoa doce que tem se tornado para mim. Existe esse mistério que te cerca, essa áurea que te envolve e eu fico embriagada pelo cheiro de terra úmida que tem esses caminhos que você trilhou.
  _Não existe razão nisso. Não penso que somos regidos por estrelas, ainda que às vezes deseje isso bem no fundinho da alma, é irracional ser tão apegado ao que não se vê, não se sente e não se toca. Prefiro viver no meu próprio imaginário do que ser controlado pelo imaginário alheio. Entendo quando diz que é mais fácil encontrar desculpas fora do nosso alcance para justificar nossos atos, aprecio a honestidade, é muito fácil fiar uma teia de mentiras com meias-verdades. O meio do caminho é muito longe, apesar de ser metade, existem milhões de frações para se percorrer até chegar lá. Querer apressar isso é como tirar o bolo do forno antes da hora, vai murchar e perder toda a graça. Vamos caminhando devagarzinho, deixa essa pressa só para sentir o mundo e a vida.
Deitamos na grama para continuar observando o céu. Nos demos as mãos porque sentíamos medo da nossa pequenez. Sabíamos que poderíamos sucumbir a qualquer momento por causa de um evento astronômico imprevisível ou pelos próprios mistérios do universo. Meu coração acelerou com a hipótese de morrer sem ter vivido e mostrado tudo o que eu queria. Olhei dentro daqueles olhos negros demais e me acalmei. O fim conforta mais que o princípio. As possibilidades é que assustavam e faziam a humanidade recuar diante do próprio destino. Daquele momento em diante eu entendi que o segredo não estava em correr para os braços da morte, muito menos tentar fugir dela a todo custo, mas passear pela vida calmamente e ir de encontro ao fim como quem caminha sem pressa para visitar um velho amigo.

Najla Brandão



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

     

      Não sei onde tu moras, ou o nome da sua mãe, apenas suponho que não tenha irmãos, e que você tenha os olhos do teu pai. Sei decifrar todos os seus tons de voz, o seu jeito aberto demais de olhar para os outros, a sua mania terrível de manter distância quando estou perto e se manter por perto quando estou longe.
       Estou acostumada já com teus descompassos, talvez por eles andarem tão sincronizados com os meus. Eu dou um passo para frente e tu um para trás, eu vou para trás e você vai pra frente. As vezes andamos de lado, é quando a imparcialidade nos pega nos fins-de-semana e noites de domingo, andamos de lado até nos encontrarmos. Não decorei teus cheiros, ou teu gosto, nem o toque da tua mão; mas eu consigo me lembrar de todas as suas expressões, e do  formato desejável do seu corpo perto do meu, mais que isso tudo, eu consigo me lembrar o quanto acho tudo isso engraçado.
       Eu queria ter vontade de lutar por nós dois, queria ter vontade de correr atrás, quebrar a cara, tentar. Mas eu não ando tendo vontade nem de lutar por mim, ando me afogando numa lagoa gigantesca de chumbo líquido. Envenena, paralisa, corrói, dói. Dói por dentro, aquele soco no estômago que eu não sei se foi causado por mim ou por você. E eu gostaria de lhe contar sobre isso, compartilhar minhas dores. Queria também ter certeza sobre o que é essa merda toda, entende? É que sei lá, cara, é um dia apaixonada e outro não, um dia te desejando na minha cama, outro dia quero consolar-te dos teus romances esvaídos, um dia atravessando o inferno para “casualmente” encontrar com você, no outro dia sem nem querer ter notícias suas.
       Cansei-me de lhe tentar, de lhe procurar; sei que nem comecei a fazer isso, mas eu preciso do tato da alma. A tua alma encostando na minha, nossos fôlegos sendo tomados por sentimentos -não um pelo outro, mas pela vida. Diga-me que o que tu passas é o que eu passo. Estou a tentar-lhe por estar tão louca e obcecada para que eu goste de alguém. Estás assim também? Está querendo dar passinhos em minha direção para que talvez consigas gostar de mim? Porque se for, poderemos dar as mãos contar um para o outro histórias sobre as nossas cicatrizes. E então, mesmo que não se faça amor, faremos confiança. Teremos coisas bonitas para sentir.

Najla Brandão

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Cadê o rebuscado?


Presente e invisível
Não faço questão
Caro Prozac, anda caro o quilo de compreensão
Eu na multidão, sou tão imiscível
E ando perdendo a linha da razão
Vim trazer versos
Feitos dos meus tantos inversos
Perdidos em reversos
E em reanálises diárias
Rimar
Rir
e mar, talvez amar
Faz quantas semanas? Três?
E depois do abate?
Quem vai ficar?
Quem vem para o arremate
E os toques finais?
Trouxe amor,
Foi o que coube na mochila
Cantiga
Antiga
Antígua
Ambígua
Vais entender e me embalar?
Tomar-me em teus braços e consolar
Adular, 
Me amar?
Me ensinar a remar
Remar nos oceanos
E depois rimar
Rimar à mercê
Eu e você

Najla Brandão

sábado, 6 de setembro de 2014

Simplicidade Molhada



E lá vem outro suspiro cansado,
Outro arrepio gelado
E um trovão
Lá vem de novo
Minha tristeza vazia,
Minh’alma em agonia
E a ausência de um choro
Eu só queria voar sem ter penas,
Punições mais amenas
E não ter que fugir pra solidão
Não quero ter estrofe,
Ou que esse caderno mofe,
Nem que a chuva me molhe
Hoje não
Hoje tá escuro,
Hoje tem barulho
E eu to cantando baixinho
Pra quem precisa de carinho,
Mas tem amor no coração
Cantas, canto, voas, vôo
Pra lá e pra cá.

Fiz rimas para esquecer que hoje eu não tenho ritmo…
Najla Brandão (29/03/12)

quarta-feira, 3 de setembro de 2014


        A primavera me acordou essa semana. Às sete e meia da manhã eu abri as cortinas para observar a cor do céu, tem sido um hábito gostoso descobrir, logo quando se acorda, qual o humor do infinito. Foi uma felicidade imensurável sentir o clima fresquinho e úmido que as poucas nuvens tímidas e acinzentadas traziam na bagagem entre a brisa matutina. Agosto ainda chora alguma chuva em cima de mim. Com a chuva, vem o banho e depois de limpar o coração, a gente pode estender ele no varal para secar ao sol que aparece em seguida. Eu nunca fui tão feliz em ter um coração livre. 
       Lembra quando éramos crianças e tínhamos essa vontade imensa de agarrar os passarinhos? Gostávamos tanto do canto, das revoadas e das cores que enchiam o céu que queríamos prender passarinhos na gaiola. Hoje, enquanto observava algo que poderia ser um canarinho azul, eu vi que não ansiávamos por ter passarinhos nas mãos. Desejávamos a liberdade de cantar e ir para onde quiser, viver a simplicidade. É engraçado pensar nisso quando as coisas na sua vida encontraram um equilíbrio natural. Pelo menos é engraçado para mim que sempre sobrevivi no meio do caos e da confusão de ruídos, imagens e experiências vazias. Levantei da cama e senti que todo momento era um aprendizado válido, mesmo que o medo tome conta de mim justo quando eu mais preciso da bravura. 
        Nunca pensei que esse dia chegaria. O dia em que eu conseguiria olhar para as estrelas todas as noites sem ter vergonha do meu dia, a noite em que eu encararia o céu sem ter que pedir desculpas pela minha insolência. A comunhão de espírito que procurei por tanto tempo estabeleceu um reino de fé e paz dentro de mim. Mesmo com um coração maltrapilho, sujo e rasgado, eu poderia amar de novo. Dessa vez eu faço diferente. Deixo o egoísmo de lado e amo o mundo todo. Um coração livre tem que passarinhar um pouco.
           Cantar, voar e colorir. Afinal de contas, a primavera ta aí pra isso. 

Najla Brandão


terça-feira, 2 de setembro de 2014



       Hoje o dia pede cigarro de filtro, de preferência mentolado. Pede café, um bom livro e um abraço quentinho. Hoje o dia pede música pra dançar à dois, agarradinhos enquanto se escuta um velho blues te transportando para a década de 60. Dia de desvendar a anatomia dos corações solitários e quebrados de dois quase-amantes. É assim que se parecem as segundas com cara de sexta-feira.
        Não requer rotina, só um pouquinho de sensualidade e ousadia. Deixar escorrer o apelo sexual pelos lábios, ensopando o chão de desejo. Você quer tocar, mas não pode de uma maneira quase Buñuelesca. Existe algo de francês nesse quarto além do perfume: a meia-luz que implora para entrar pela janela, o idioma sedutor pouco dominado na cama que suplica para que não seja abandonado, a fumaça que esvoaça se desintegrando em traços abstratos.
        Essa segunda veio de carro velho direto da Carolina do Norte e vai morrer nos alpes azuis da França. Eu vou me despir de cada peça minha para conseguir a minha vidinha de segunda.  Desfaço-me de tudo que não levo na alma, danço sozinha, deixo-me levar pelo deleite de tocar a minha pele com meus próprios dedos e sinto cada pelinho dos meus braços. Tomo cuidado com os meus movimentos que devem ser suaves para não acordar a terça-feira ranzinza. Aprendo assim a tomar conta do blues.
        O quarto vazio e a madrugada fresca é quem chama para fazer da minha camisola um vestido de época coberto de rendas. Reparo nas notas tocadas e posso ouvi-las ressoarem nos meus ouvidos. É fácil me arrancar um sorriso ou as roupas com esse ritmo, mas é segunda baby blue, não existe companhia para me tirar para dançar ou cantar com a boca tão próxima das minhas orelhas geladas. Permito que meu coração cante sobre as guerras perto do meu piano imaginário, liberto três ou quatro segredos que me matavam lentamente.
        Tenho as mãos grudadas no peito ao passo que também bubuio e rodopio pelos tacos de madeira envelhecida. Canto com o sax, olho nos olhos do perigo que espera à soleira da porta para voltar: é a desesperada rotina. Peço gentilmente para que espere eu acabar essa canção de bochechas coladas com o Sr. Armstrong. Dá mesmo para acreditar que é possível ser feliz com um pouquinho de amor e algumas notas suaves.
        Despeço-me da minha anfitriã encantadora, Ella é uma mulher adorável. Sinto que ser tão doce é parte de mim, mas não me engano. Eu sempre acabo correndo para o agito, para as guitarras e os excessos de Cocaine de Clapton. Aqui é meu lugar. Satisfeita dou um último adeus a esse dia raro e fantástico em que a segunda pareceu de tudo, menos monótona.

Najla Brandão

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Ô mãe, bom dia!

   


   Acordei com uma mordida muito gostosa na bochecha, sabe? Ah, quem me dera acordar com uma dessas todas as manhãs!
   Hoje vi minha mãe chorar. Daquelas lágrimas bem grandes guardadas lá no fundo, e bem no fundo mesmo. Aquelas lágrimas que foram jogas ali na cozinha velha, junto com a tosse de outrora. Décadas sépias e acinzentadas, bem ali sentada à mesa com os irmãos. Vi algo despertar diante dos meus olhos, era aquela mágoa contida que precisava ser desaguada; também senti a compreensão me invadir. Pude entender o porquê de tantas coisas, percebi que havia herdado esse dom terrível de guardar o que não deve ser guardado. Pela primeira vez eu agradeci de verdade por ter a mãe que tenho. Por ela ser tudo o que eu preciso; por ela ser amor, reconhecimento, carinho, por ela ser dura, forte, pouco maleável. Doeu, de verdade ver seus olhos vermelhos. Tomei tanto suas dores que pude escutar claramente a tal tosse noite toda vinda do quarto. Senti um leve puxão de amor por alguém que nunca conheci, nem mesmo vi. Juro que senti tudo, pelo menos um pouco. Senti a vida dura, senti também talvez um pouco de drama, mas quem sou eu para julgar? Repreendi-me tanto, mas tanto por ser terrível; por ser tão errada, tão desleixada comigo, com os outros e com a vida, por dar tão pouco valor. E depois de tudo eu senti, bem lá no íntimo de mim, uma coisinha brotando. Era a mudança chegando. Pela primeira vez, quero ser altruísta. Fazer pelo outro (ou pela outra, no caso), não por mim. Por mim já não vale mais a pena.
   Por último, só um lembrete: mãe -ah, mãe!- eu te amo.
Najla Brandão em 2011, muita coisa mudou de lá pra cá, o amor é o mesmo, mas carinho só aumentou.

Essa sempre me faz lembrar da gente <3