domingo, 15 de novembro de 2015

      


        Dessa última eu podia jurar por Deus que não ia te deixar ir. Deixa eu beijar sua testa mais uma vez? Deixa eu fazer mais um carinho no seu rosto com a ponta dos meus dedos? Deixa eu sentir suas mãos desleixadas e das palmas castigadas e avermelhadas sobre as minhas de novo? 
       É engraçado como me sinto nua quando escrevo para você. É inédita a sensação de timidez em expôr os meus sentimentos mais íntimos, os detalhes mais sórdidos sobre nós dois. A única explicação lógica para isso é que é real demais. Ninguém mais sabe como só eu sei que suas mãos foram feitas para fazer carinho. E que os seus pés tem o encaixe perfeito entre os meus. Que o seu jeito de me olhar faz com que eu me sinta grande. Então deixa eu contar dos meus dedos que brincam com as linhas imaginárias entre as pintinhas do seu peito. Vou falar um pouquinho sobre como eu te acho insuportavelmente lindo quando você sorri. Dizer que seu riso lembra o de uma criança e que eu devo ter ficado dez vezes mais bonita desde que te conheci.
       Verdade seja dita isso pouco importa pro resto do mundo. O que importa pra eles é essa estabilidade que ninguém nunca acreditou que eu ou você poderíamos ter. Muito menos os dois juntos. Muito menos em uma relação regada à Toddynho de manhã e Balanço Geral à tarde. Aliás, isso deve parecer completamente entediante para eles. Mas o que eu descobri com você, não tem ninguém no mundo que possa ensinar. A aventura mora no riso e no cuidado. E isso mora em qualquer lugar onde tenha nós dois. Caralho! Eu perco a noite de sono de pensar em te encontrar. Imagina só! Eu era uma loba solitária que aceitou o destino da vida solo. Daí veio você e eu vi que dava pra gente compartilhar o mundo (e um pacote de recheadinhos também)!
       'Cê não faz ideia da revolução que é estar todos os dias com você. O que é acordar todo santo dia, testar meus sentimentos e ver que nada mudou: eu ainda quero estar com você. Dormir sem medo de que amanhã eu enjoe da sua cara. Do surpreendente não-esforço que é gostar mais de você a cada dia que passa. Parece bobo, né? Mas é que hoje eu vejo muita gente caminhando lado a lado só por caminhar, sem saber apreciar a companhia do outro. Eu não te vejo assim. Dar as mãos à você é apreciar a paisagem também. É ver no seu rosto um acalanto em forma de gente.
       Semanas atrás eu senti a benção de um ancião cair sobre a gente, e quando o divino mostrou que nossas costas andam bem guardadas eu senti que éramos um time. Eu sei o que 'cê tá pensando. Eu deveria sentir isso da gente o tempo todo. Perdoa a minha insegurança e a minha falta de educação com nós dois. Não faço por mal. É que os maus hábitos ainda moram em mim. Ainda que isso não seja uma boa desculpa, eu tenho o costume de achar que você vai embora. Ou que num desses meus dias ruins em que meus pés balançam, minhas mãos esmurram as paredes, meu peito pesa e minha respiração acelera, você vai se esgotar e fugir. Eu não penso nada de ruim sobre você. É só medo por medo. Não espero que você compreenda e tampouco aceite. Peço tempo. Calma. Paciência. É um exercício para mim e pra você. Se isso não for possível, aceite minhas sinceras desculpas. Ainda que eu não possa pedir desculpas pelos calos que a vida me deu. 
       De resto eu peço pra você voltar logo. Sua ausência me causa abstinência de carinho. Dói não poder te cuidar de perto. Faz falta te fazer um cafuné. Então vem, tá? Vem que eu to te esperando. Hoje e sempre. 

Najla Brandão

domingo, 25 de outubro de 2015

Quando o peito rasga e o nó fica




      Foi revendo algumas fotos antigas, de um ou dois anos atrás, que eu percebi uma mudança sutil no meu sorriso. Aquela dessincronia que existia entre os meus olhos e a boca - quando as ruguinhas não combinavam com a quantidade de dentes entre os meus lábios- desapareceu. Em algum momento eu aprendi de verdade a ser feliz. Por quanto tempo eu persegui essa paz de espírito?
      Não é coincidência que eu tenha evoluído aqui ou ali. Eu aprendi a me amar um pouquinho mais e, principalmente, a ter paciência com as minhas limitações sem procrastinar a necessidade de mudança e de transcender. Não é todo dia que é uma glória. Tem dia que eu não me suporto, que eu não caibo dentro de mim. Tem semanas que eu só consigo ser educada. Então eu escuto de um estranho que eu to resguardada por orações ou o cara do salão percebe meu sorriso triste e me lembro que empatia e compaixão não vivem só dentro de mim. Essa bagunça cósmica e aleatória consegue encontrar equilíbrio entre o que é bom e ruim.
      Hoje mesmo eu devo ter derrubado a minha própria barreira do bom-senso da convivência duas ou três vezes. Às vezes eu machuco sem ver. Não é por mal. É um dia ruim. A cabeça dói por pensar demais, me sinto culpada por não estar fazendo o suficiente o tempo todo. Eu não estou sendo boa o bastante. Eu não estou dando o melhor de mim. Respiro fundo. Relaxo os músculos da testa que me fazem franzir as sobrancelhas num ato de preocupação. Tomo o meu tempo para acertar as coisas. Se hoje eu coexisto bem com o mundo, a culpa é do meus passos lentos que, apesar de demorados, são longos. 
      Eu faço pequeninas preces aleatórias durante o meu dia, na esperança de que qualquer uma das entidades me escute. Deus, Universo, orixás, santos, espíritos bons e evoluídos. Não nego nenhum. Acolho todos na sorte de que me protejam e me guiem, na boa-fé de quem quer que seus amados sejam bem guardados por esse misticismo.
       E amo. Amo com uma intensidade absurda, receosa de quem pode se jogar e se perder. Daí eu vejo a paz e a bondade naqueles olhos de quem devora e admira sem saber porquê. O carinho de quem me procura na cama pra um abraço. O cuidado e a atenção de quem se preocupa com a minha fome. O acalento de quem não entende o pânico, mas compreende a angústia. A segurança, a certeza de que vai durar a vida inteira.
      Eu me sinto horrível por às vezes estar presa à essas minhas próprias gradezinhas, pequenices e não conseguir demonstrar a imensidão do que cabe no meu peito. Se tem algo que eu luto todos os dias é para isso. É para conseguir demonstrar a minha gratidão e felicidade em ter um pedaço do paraíso para mim todos os dias. Isso escapa quando a semana acaba e tenho que deixá-lo ir. Abraço forte. Quero congelar esses momentos e afagá-los. Não posso. É um exercício. Cada dia que passa eu me derreto um pouquinho mais. Demanda tempo, paciência. Até lá, não desista de mim, tá?
       Não deixa eu desistir de mim também. 

Najla Brandão

segunda-feira, 27 de julho de 2015

(Denguinho)




     Imagina a surpresa ao rever tudo o que já escrevi, tentando achar um texto ou outro que conseguisse expressar essas infindáveis pequenices que sinto, e não conseguir encontrar nada que reunisse toda a minha vontade de colar em você. Quero juntar todos esses pedacinhos de coisas: como eu gosto do morrinho do seu nariz, os seus olhos desconsoantes, os pulso e as mãos, a voz preguiçosa e juvenil, o jeito de fazer carinho usando meia dúzia de palavras. E esse dias eu ainda descobri, cheiro, beijo, toque e TOC. É de se encantar mesmo esses risos de fazer as bochechas doerem.  Se junta tudo dá um painel imenso de mosaico que poderia cobrir o pé direito de uma igreja romana.
      Demorei tanto a começar a escrever essas besteirinhas minhas por medo que machucasse. Você no seu otimismo, diria que escrever não faz mal. Botar pra fora e virar ao avesso o coração, só pode fazer bem pra alma. Se tem algo que não te prende são as palavras. Eu também. Não tem coisa nesse mundo que explique o que te faz vir pra mim, que te faz me procurar e querer puxar a cadeira pra sentar do meu lado e falar groselhas durante um dia todo. Então você vem e eu tento entender o que te faz querer vir. Eu me pergunto duas ou três vezes por dia da intensidade e da verdade que coexistem dentro de você, sem transparecer demais pra mim. E tal qual surpresa foi me ver associando seu rosto à um chamego ou ao dengo de pessoa que você é.
       Eu olhei aqui, Denguinho. Fiz as contas com caneta azul, tive o esforço imenso de calcular as equações de probabilidade mesmo não tendo essa intimidade com a matemática. O resultado tá aqui, tá aí. Joguei nos gráficos e parece que as linhas das nossas vidas se cruzaram cedo ou tarde demais, depende do ângulo que a gente olha. Dava pra escrever muita coisa bonita sobre as projeções astrológicas: o meu Câncer no seu Gêmeos, a coincidência do nosso planeta regente Vênus, a minha Terra que faz poeira de encontro ao seu Ar, meu verde que faz par com seu azul, os lírios que plantei ao lado das hortênsias e a esmeralda dos meus brinquedos que casam com o quartzo rosa que deveria estar escondido no seu quarto. E eu até queria, mas não posso. Escrever é uma maneira muito cruel de solidificar algo. Daqui pra frente é real. Enquanto eu não falasse de tudo isso eu poderia respirar sem culpa, mas eu me entreguei demais.
         Eu jamais poderia imaginar que a rua da minha casa ia deixar de cruzar com a sua pra ser uma só. Ou que quilômetros poderiam virar metros e horas se tornarem minutos e que eu seria forçada um dia a tentar diminuir o que tem um potencial imenso para abalar a minha vida. Olha como é a vida, Denguinho. Tô aqui, escrevendo escondida, lendo O Príncipe e evitando esses fins dúbios que justificam meios torturantes. Sentei na minha cama que é alta demais, estreita demais e fui escrever pra ver se essa saco de areia para de sedimentar meu coração. Lembra quando a gente falou de amor de madrugada? Lembra quando a gente desejou estarmos loucos, invictos, cegos de amor? Eu tive que rejeitar a possibilidade disso tudo. Eu tive que calar esse coração-menino-louco que implora por uma dose viciante de paixão. Fui complacente. Compreendi. Não doeu, mas achei de uma maldade sem fim ter que guardar um “e se” na gaveta. De repente eu me vi desenfreada, querendo cada vez mais e me envolvendo cada vez mais. O meu olhar mudou, meus arrepios ganharam outro significado e eu fiz uma prece para que não acabasse: ô, Deus, deixa esse sentimento ficar dessa vez.
       Tudo bem, sem chororô. Eu ainda gosto do nosso papo e poderia achar suas mandingas religiosas charmosas sem querer te tocar. Eu ainda poderia permanecer do seu lado, sentada durante três horas falando bobagens sem querer me aproximar mais. Eu poderia desconstruir o imaginário no canto da sala que eu fiz, enquanto tocava uma moda de viola e cantava com a voz rouca. Eu poderia, Denguinho. Eu só não quero. Das crueldades que vivi, a de não realizar o que está a um palmo de distância seria a mais infernal. Logo ali, quatro ou cinco ruas de mim nesse instante. Não deve dar um quilômetro. Eu que já andei doze num dia só pra fazer companhia, acharia maravilhoso correr um quilômetro todo pra te encontrar. Suada. Com gosto de sal na pele pálida, querendo o bronzeado saudável que só quem tá apaixonado sabe que cor é. 
          Eu já tentei até deixar quieto. Esperei passar a minha vontade ou a de Deus. Rezo duas ou três vezes no mês para ir para o litoral logo, lembrar que gosto tem o sal do mar encontrando a minha boca. Lamber os braços como criança, achando que a pele é pirulito de sal, picolé de água do mar. Amor de praia não sobe serra. Já avisaram isso antes e eu ainda teimo em te prender nas minhas montanhas. Eu preciso mudar. Libertar duas ou três almas dessa prisão de limitações morais e emocionais.Como tudo tem sido efêmero em minha vida, Denguinho, cê poderia fazer o contrário e ficar. Augusto dos Anjos escreveu Versos Íntimos, mas imagina só a minha timidez. Tem tanta verdade explícita aqui, que sinto vergonha de mostrar tudo. ‘Cê vai rir e vai se assustar. Vai querer correr, mas vai ficar. Então eu guardo pra mim os meus próprios versinhos de boca que escarra e beija. Aguardo com uma prece ao Universo para que bagunce tudo de novo só para dessa vez vir na hora certa, do jeito certo. O destino queria tirar de mim a possibilidade que eu tenho de um dia te amar. Eu não escutei. Tava ocupada demais olhando pro seu rosto e memorizando tudo.
              Viu só, Denguinho? Escrever também machuca. Mas também salva que é uma beleza.

Najla Brandão