Trombou em mim como quem não quer nada. Tava logo querendo que eu perguntasse como ele tava, sei disso porque ele perguntou primeiro.
_E cê tá boa?
_Na medida do possível, remendando meu coração e tentando fazer algo de útil, além de comer tomates. -respondi no auge do meu lirismo e frustraçõezinhas de fim de ano.
_Tenta batata baroa. Cozinha rápido e fica delícia com tomate, nem precisa de tempero.
Ri daquela bobagem e achei lindo. Tomate e batata. Pode ser que eu goste e talvez a falta de tempero me ajude a diminuir o excesso de sal que tenho ingerido nas últimas semanas. Ele me achou no bar bebendo cerveja barata. Só perguntei da vida dele depois que sentamos um do lado do outro, despejamos a cerveja nos copos e encaramos o dono do boteco como se fosse mais que óbvio que tratávamos de assuntos restritos ao departamento emocional e não ao culinário.
_E você? Como tá?
_Apaixonado.
Ri de novo. Parece que o mundo todo resolveu se apaixonar por agora. Pode ter alguma coisa a ver com não querer passar a virada do ano sozinho ou querer ganhar presentes de Natal, pode ser que as pessoas abram mais seus peitos vulneráveis quando chegam os feriados. Não importa, eu seguia o caminho inverso. Estava logo a frente, no ápice do desencanto, desenfreada rumo ao chão de realidade do grande abismo da superação. Depois que você amassa a cara na terra fica tudo bem. Perguntei do nome. Ele falou de como chamava ela. Era bonito.
_Rá, boa sorte. A última que conheci com um nome desses destruiu o coração do meu irmão. -dei um gole.
Ela veio de uma dessas colisões em que você deságua seu descontentamento com a filha da putice alheia e acidentalmente KABUM, o Hulk da paixão surge, escolhe um coleguinha aleatório da sua vida e você está fodido durante os próximos meses.
_Fui pego desprevenido -ele lamenta.
_Cara, ninguém se prepara pro amor. Ele chega arrombando a porta, colocando o pé em cima da mesa da sala, abrindo a porta da geladeira e comendo sua comida.
_Chamando sua mãe de tia, batendo na sua bunda -ele completou- e dizendo que sua irmã, prima, tia é ou já foi mais gostosa. E você só consegue olhar pra esse filho da puta, rir, pegar uma cerveja, sentar ao lado e tirar a tv do Discovery Channel.
_Sabe porquê, rapaz? -perguntei. - Porque se você soubesse que esse viado viria, você não abriria a porta. Você sairia de casa pra dar um rolê na pracinha e deixaria por escrito na porta algo como "volte outra hora".
_É, porque tem dia que 'cê tem paciência pra esse viadinho, mas na maioria 'cê tá ocupado demais pra dar atenção pra ele. Só que o filho da puta fala alto pra caramba e tira atenção de tudo que cê tem que fazer.
_Ele te chama pra jogar vídeo-game quando 'cê tem aquela prova fodida pra estudar. -continuei seu raciocínio. - 'Cê fala que não, mas dez minutos depois tá lá.
_Isso quando não te manda uns vídeos de gatinhos ou filhotes brincando com bebês pelo Whatsapp. E aí cê fica naquele papo e quando percebe já acabou o dia.
_E você não fez nada.
_Exatamente. Isso é o amor. Esse amigo chato que você vagamente lembra onde conheceu, mas sabe que tá na sua vida desde que você descobriu que era gente. -ele finalizou.
Contemplamos o vazio durante algum tempo, percebendo que o amigo é realmente aquele amigo chato. Apesar de tudo o dono do bar achou que estivéssemos olhando pra ele, o que não era verdade. O dono do bar não é o amigo chato, ele é o amigo legal que te oferece bebida quando você tá triste e te diz coisas confortantes do tipo:
_Mais uma?
Sim, mais uma.
Najla Brandão e João Bennett,
seria injusto dar os créditos desse diálogo incrível só para mim.
Obrigada pela poesia.