sábado, 14 de junho de 2014

E se?



Rique, e se?
Eu tenho me perguntado muito isso: e se eu pudesse te tocar?
Eu queria que você estivesse aqui, que pudesse ver o que eu ando vendo e sentir o que eu ando sentindo. Nessas semanas eu vi o universo com outras cores e as luzes da cidade pareciam incendiar a noite. O som do carro tocando as canções que carregavam consigo todo o peso das mágoas que artistas vadios já sofreram. Suspirei de satisfação quando olhei para cima com humildade, pedi perdão por esquecer tão frequentemente do céu e por ser humana. Sempre achava que não havia predadores acima de mim. Exalei o ar dos pulmões quando nitidamente pude ver as sacadas dos prédios coloridos e toda a pureza de se abrir as janelas numa noite fria. Pude sentir no arrepio que me deu o quão incrivelmente cósmico era ser parte de um grande organismo funcional e praticamente desconhecido.
Quando eu passei pelas ruas de pedra e vi as igrejas tocarem seus sinos em sincronia eu fui uma Maria imaculada, mas também fui Judas na encenação que anunciava os dias santos. Doeu demais quando me lembrei da minha impotência diante da estrada, da minha solidão despropositada e do meu coração que vagueou por todos os cantos imundos e lamacentos da sua própria existência. Passei pelas casas que já estavam ali há trezentos anos e que continuavam prosperando a vida e escrevendo histórias, percebi que o próprio enredo da minha vida se encontrava de tantas formas na incompletude de um futuro que está logo ali na esquina. Eu quero fazer mais e tenho as mãos demasiadamente pequenas para isso.
Reizinho, eu te queria aqui pra gente dividir uma cerveja e um cigarro na mesa de um boteco qualquer da cidade. Eu ia te fazer enxergar o que existe de mais bonito na vida quando se põe amor em todos os centímetros dela, te contaria do juízo que eu perdi evitando a infelicidade de se fazer o que não quer. Falaria de como eu ganhei um pedacinho de mundo quando a vossa majestade colocou seus olhos tão lindos e castanhos sobre a minha boca que sorriu ao ver o seu próprio sorriso, gerando um efeito dominó histérico nos bares da cidade que, de repente, tinham os clientes mais felizes do país. Depois de mudar o cenário histórico com tanta ousadia, espalhando o que há de melhor para ser sentido dentro da gente, eu juro que a gente podia ir tomar aquele sorvete de damasco com manjericão que eu falei tanto, né? De amor eu também entendo, principalmente quando se diz sobre esse laço fraterno que invade seu peito toda vez que cê vai cantar. Eu sei, cantar com um irmão é como libertar todos os sentimentos que coexistiram dentro dos dois simultaneamente. Sorte sua que nunca teve que ver ele partir, ir embora e alçar vôos que não te pertencem. Tudo o que se pede aos céus é que ele fique bem, que ele volte em paz. Daí aquela impotência assume controle de novo, eu te falo, é foda. Não há nada para fazer, só esperar com o coração na mão.
            Eu sei lá como cê encara tudo isso. Eu espero que com tantos holofotes na sua cara, você ainda possa ser capaz de enxergar na multidão a individualidade de cada um. Não esquecer em momento algum que aquelas pessoas tem suas vidas à parte das festas: elas amam, são amadas, têm histórias incríveis para contar e já tiveram que passar por momentos horríveis em suas vidas, momentos que preferem não relembrar. Existem também as pessoas que vão ter uma conexão muito forte contigo, algo sobrenatural, mas cê não vai ficar sabendo por não ter dado oportunidade de algo florescer. Não esquece, meu rei, que cada pessoa na sua frente é uma chance de fazer a sua vida mais incrível, é uma chance de te levar o que você precisa e não acha nas suas rotinas. Permita-se conhecer o interior da multidão, permita-se ser parte de um todo individualizado e único.
              Do tom apaixonado, eu confesso que guardei só teus detalhes. Gravei no coração e no arrepio da pele todos os teus defeitos que o mundo acusa e ama, aponta o dedo e adora. Os fios rebeldes por nascer na sua cabeça, a fumaça que exala dos teus pulmões, os olhos que as vezes parecem cansados demais, a falta de manejo na hora de soltar a vontade de dançar, talvez a máscara que escorre com o suor ou a sua braveza e indignação que gera um bafafá enorme por você ser honesto demais. Guardei comigo o que me apetece por ser tão meu quanto seu, compartilho do que te faz rir nos domingos preguiçosos e também me entristece todas as maldades que permeiam a Terra. 'Cê já me libertou de tantas amarras e correntes que eu só preciso de mais um pouquinho para alcançar o infinito. O meu sonho mesmo é que cê me roubasse o coração e estourasse o meu corpo que é pequeno demais para caber tudo o que eu sinto e realizar tudo o que eu preciso realizar. Preciso de alguém que destrua a minha carcaça e me liberte para que eu possa renascer e viver tudo o que tá escrito para eu viver, mas que os limites físicos que me foram impostos não deixam. Só um sentimento estrondoso poderia fazer isso acontecer e eu ainda espero que isso venha de ti.
Eu, que já decorei todos os seus vícios, suas manias e seus trejeitos na hora de cantar as suas frustrações e delícias da vida, te escutaria o dia e a noite toda. Enquanto cê tenta me convencer da minha pouca idade em relação à você, eu ia reparar no seu jeito de falar com as mãos o que o coração sente. Dá pra ver daqui também seu cordão dourado brilhando timidamente pela camisa de botão, seu relógio no teu braço esquerdo para nunca perder as horas, o seu sorriso que aparece de um jeito muito honesto e sempre faz aquilo de sincronizar a tríade do sentimentalismo: o sorriso, os olhos e a voz. Aquele trem gostoso de puxar o R preguiçoso, mas de personalidade forte. Conta pra mim da saudade que tá de casa e do sonho que tá vivendo, só pra poder dizer que eu não devo entender. A sinceridade no seu peito e a sensatez que te ilumina iam continuar brigando entre si, só para tentar resolver se você se entrega de vez ou se parte para nunca mais voltar. Vai rir de mim quando eu contar uma piada boba ou quando eu expôr sua timidez. Vai querer dançar comigo a noite toda, mesmo que eu não saiba dançar muito bem e que o meu pé esquerdo duplicado vá te confundir todo. E nessa confusão seu riso vai inundar a sala e os sinos da cidade vão tocar de novo. Na hora de ir embora vai me dar um dos seus abraços apertados em que cê leva a mão esquerda até a minha nuca, trazendo pra mais perto e deixando o corpo colado no meu. E eu vou pedir pela última vez: fica.
Fica para não ir embora mais, fica para eu te devorar. Eu quero tudo o que vem antes do seu corpo, rei. E mesmo que seja pretensioso, ousado e atrevido demais da minha parte, eu quero saber que gosto tem as suas histórias antes de descobrir se  teu suor no meu lençol tem o sabor do mar. Preciso escutar da sua boca o que tem de errado em nós dois antes de avançar pra morder de um jeito indecente  a sua orelha. Deixa eu saber do que você gosta de assistir na tv antes de revelar o show de roupas pelos ares que eu posso te dar. Por fim, ver seus lábios ditarem o futuro antes de sentir que eles podem mover as montanhas que me circundam. Eu te quero de alma primeiro e quando você ficar de vez, a gente se entende nas cobertas. Mas isso tudo são suposições, hipóteses e vontades que dominam meu espírito carente de loucuras.  É desleal te querer quando o mundo todo tem olhos pra ti, é injusto te desejar parecendo ser mais uma na multidão, mas tentando sentir o que há por baixo da sua pele e descobrir  por onde se esconde a sua meninice de homem feito. A pergunta continua a mesma.
E se você vem, Rique? E se?

               Dos muros pichados de sabedoria na cidade sacra dos santos e dos reis, do mistério que atrai em ser estrada real e da habitante que transpassa os limites do comum,

Najla Brandão.