terça-feira, 23 de abril de 2019

Fortaleza



Noah Centineo in "Dear Love" by Sarah Bahbah



     Você sussurrou no pé do meu ouvido -entre pelos e cobertas- palavras tão docinhas que amoleceriam o mais duro dos corações. É assim que a gente conhece o que passa com lisura pelo coração do outro: através das palavras. O que eu vi e ouvi foi de uma candura e verdade tão grande, uma facilidade, uma simplicidade. O amor deveria vir sempre assim, do jeito que você veio, se entregando por inteiro à sua natureza.
     Tudo o que desejei ali foi a minha avidez de volta, minha urgência em amar e te desfazer todo na cama entre um suspiro e outro. Mais uma vez eu fiquei só no desejo e, em vez disso, sucumbi novamente à aspereza do meu próprio toque. Perdoa esse meu espírito atormentado. Eu queria tanto ser mais genuína em minhas reciprocidades!
     Fiz minha parte. Como sempre me comprometi a fazer, fui uma boa menina e entreguei a carne. Adocei e refinei meus beijos para combinar com o sabor dos seus. Ajustei meu toque, meu cheiro, meu jeito e até mesmo a forma de percorrer meus dedos pelo seu corpo. Tudo com prazo de validade, expirando na primeira hora da manhã. Não assinei minha obra, não te dei meus maneirismos e manias, não te procurei debaixo dos lençóis e nem fiz questão de te chamar pelo nome. Faz um tempo que tem sido assim.
     Em minhas relações humanas eu me tornei uma peça de consolo e alívio imediato, mas nunca o motivo de ficar no dia seguinte, de levar café na cama ou acordar com beijinhos pelo rosto todo. Sem querer correr o risco de parecer uma vítima ou uma pobre imolada em autoflagelo, mas a culpa é toda minha. Eu não sei mais como me conectar. Personalizar minhas experiências e entregar meu jeitinho é também me expor à uma série de eventos e sensações das quais ainda não tive coragem de assumir para mim como empreitada de vida. É que meu pudor deixou de rondar a cama para perpetrar na minha alma e, desde que essa vigília começou, meu coração virou essa fortaleza impenetrável. Inquebrável, mas também impossível de forçar entrada.
     Por isso estou me aposentando. Acho que não consigo mais fazer isso: despir-me a roupa, sem despir a alma; deitar com alguém, sem me aninhar ao peito e dormir confortável; dividir uma cama em paz; mesmo que por alguns segundos eu acredite em todos os quases do velho ditado. Que, se alguém falar as palavras certas ou me segurar por um segundo a mais, eu faço um voto perpétuo e sacro, me comprometendo a ficar por toda a vida. Todos os quases. 
     As palavras não ditas, as flechas não atiradas e as vezes que perdemos as oportunidades de nos atirarmos de cabeça em amores impossíveis. O impossível não existe para quem se permite ser frágil ao redor de alguém de coração simples. Então fico com o possível, com o que é tátil e palpável, com os dedos dos pés fincados na terra na esperança de lamber minhas feridas e um dia conseguir quebrar meu caminho para fora da minha própria fortaleza.

Najla Brandão

3 comentários:

  1. eu gostei mt do seu texto e eu já quase me resguardei na mesma fortaleza pra me proteger do mundo..
    posso responder seu texto com outro texto? :3

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